sexta-feira, 30 de outubro de 2009

A Maçã no Escuro


É numa «atmosfera de entranhas», como «num sonho difícil cheio de moscas» que, no incomum porque extraordinário livro A Maçã no Escuro, Clarice Lispector faz nascer o arrebatador sentimento do amor. Surge na luz azulada e pútrida de um curral, como o «rebentar de uma artéria e um sangue insuspeito jorrra», «como se seu corpo por si mesmo não bastasse», um bafo pestilento mas simultâneamente adocicado viciante pois que vicioso.
Heroína na coragem de descrever ousadamente as erupções da alma e as surpresas do corpo, Clarice consegue arrastar-nos para o íntimo e fulgurante momento em que Vitória «estranhou-se então com o modo arrebatado de se reconhecer. Acabara de decidir ser, não um outro, mas esse homem». Esse o homem.
É um dos livros que deixei incompleto, ainda na página 160, pois a leitura esgota e é preciso sossegar os sentidos e refrear as sensações.