Lê-se na imprensa que a editora Rocco vai relançar a obra completa de Clarice Lispector. Fui ver ao site da editora. É verdade. Li o pequeno livro na edição da Relógio de Água. Na altura já me tinha apaixonado por ela, pela sua escrita, por quem conhece «adjectivos esplendorosos, carnudos substantivos e verbos tão esguios que atravessam agudos o ar em vias de acção».
A história, contada por um homem, é a de Macabéa (página 47), a de seu Olímpico de Jesus (página 49), operário metalúrgico, que «tinha uma grandeza demoníaca: sua força sangrava», a de Glória (página 64), que «tinha mãe, pai e comida quente em hora certa». Carlota surge (página 77) e magnífica, «enxundiosa, pintava a boquinha rechonchuda com vermelho vivo e punha nas fases oleosas duas rodelas de ruge brilhoso».
«Vocezinha tem medo de palavras benzinho? - Tenho, sim senhora»; «Você sabe,meu amor, que cheiro de homem é bom? Faz bem à saúde. Você já sentiu cheiro de homem?» - Não senhora».
«Se você conseguir uma mulher vai ver como é gostoso, entre mulheres o carinho muito mais fino. Você tem chance de ter uma mulher? - Não senhora».
É um livro para nunca perder, livro que «crepúsculo que é hora de ninguém». A vida de Macabéa, «que só sabia mesmo chover» muda ao longo de cada folha. «Mas quem sabe se ela não estaria precisando de morrer? Pois há momentos em que uma pessoa está precisando de uma pequena mortezinha e sem nem ao menos saber».